quinta-feira, 24 de abril de 2008

Mãe que abandona filho na rodoviária de Campo Grande...

A MÃE QUE ABANDONOU O FILHO NA RODOVIÁRIA DE CAMPO GRANDE...

Várias notícias nos comovem, às vezes atuam em nossa consciência como fator de mudança de postura. Dizem que o erro alheio pode servir de parâmetro para nossa reflexão e ajuda-nos a retomar novo caminho. Mas, no caso dessa mãe, onde estaria o erro? Nela? Uma criança que segura outra criança no colo e, assustada com o futuro incerto para ambos, resolve abandonar o filho, acreditando que assim ele teria uma melhor sorte, ou o erro mais uma vez é da sociedade seca e fria, que não ampara, não acalenta, não dá oportunidades?

Quando ouvi no noticiário que a jovem mãe seria responsabilizada por abandono de incapaz, eu me pergunto se a justiça que é cega, conforme diz o lema, não poderia ser mais flexível nestes casos, principalmente quando a menina de 18 anos, dirige-se à polícia e conta sua história de abandono e desespero máximo, ao ponto de abrir mão do bebê?

Em primeiro lugar, vem-nos à mente a falta da família, que hoje se desestruturou totalmente, e eu não falo aqui de separação de pai e mãe, que isso não é desculpa para que aquele que ficou com os filhos, se desdobre para suprir a falta do parceiro que saiu de casa. Eu falo da família, seja mãe e filhos ou pai e filhos, mas que ampare, possibilite o desenvolvimento saudável das suas crianças, até que elas possam alçar seu próprio vôo. Em segundo lugar estamos nós, educadores, eu, que também sou educadora não me eximo de culpa, que não estamos conseguindo ajudar esses adolescentes. Em terceiro lugar vêm as políticas sociais que não atendem absolutamente o vazio de ninguém, a não ser a carência do discurso político, que vê nas assistências, infelizmente, um trunfo para conseguir votos. Por último, nossa medicina. Alguns médicos, os hospitais que atendem essas mães despreparadas para tal missão, estão muitas vezes, longe do espírito de humanidade.

Será que custa muito àqueles incumbidos de cuidar e salvar, ter um olhar mais solidário? Não seria mais responsável o gesto desses profissionais se neste momento pudessem cuidar também da dor moral do paciente, que muitas vezes sente sobre si todo o peso do mundo? Alguém já parou para avaliar uma mãe que toma essa atitude, o que seja uma depressão pós-parto?
É uma sensação de impotência tão forte, uma visão de limitação tão profunda, que somente quem tem apoio moral pode superar. E essa mãe de Campo Grande, sozinha, sem o pai da criança, saída da frieza de um hospital público, sem sua própria mãe, presença imprescindível, sentada no banco de uma rodoviária, local tão repleto de pessoas, mas que nada significam para quem se sente só, esmagada pelo monstro que é a depressão pós-parto, enfrenta agora a justiça e a crítica dos homens. Ela terá seu filho de volta, ou será condenada?

Há um verdadeiro caos na lotação dos hospitais públicos, não nos restam dúvidas, mas tudo seria diferente se aqueles que estão encarregados de cuidar dos nossos doentes tivessem o gesto humano de conversar além do estritamente necessário e se inteirassem da situação de plena solidão desses jovens que não tiveram orientação adequada para usar camisinha, e no caso dessa moça, que não teve a presença de ninguém para lhe dar o calor necessário naquele dia, o que infelizmente mostrou um trabalho de parto mecânico, em série, sem a pompa daquelas crianças que nascem diante das filmadoras dos pais presentes. Essa mãe desvestida de uma família, de dinheiro, de um companheiro, desprotegida pelo descompromisso social, desfeita pela dor de não saber o que fazer, nos leva também ao banco dos réus, isto é, leva aqueles que de alguma forma sabem que nada está politicamente certo e nada fazem.

Porém, se a tudo jogamos a culpa na situação política, aqui caberia a nós não atirar pedra nessa mãe, sem antes julgarmos a nós mesmos em relação às nossas atitudes perante as mazelas sociais: cobramos dos nossos políticos investimentos na educação,na saúde de qualidade? Se formos da área de saúde, sabemos que a bondade deve nos acompanhar ou somos frios com aqueles, que muitas vezes o melhor remédio seria o calor humano, permitindo que aquela criatura não fosse levada a uma atitude tão extrema? De qualquer forma, a rigidez do nosso julgamento não vislumbra a dor devastadora de uma depressão pós-parto e, pior, a dor de uma sensação de se estar só.

Dias atrás, li um artigo maravilhoso de um médico, escrito a outros médicos, onde ele dizia que a bondade deveria ser o remédio gratuito que o profissional dispensaria aos seus pacientes, receita essa que poderia operar milagres.

Infelizmente, a idéia de que os hospitais públicos vivem lotados é a desculpa para a frieza de muitos profissionais; a nossa leniência com a realidade educacional de hoje, não nos possibilita uma educação de qualidade e a família desfacelada é um câncer. Como dizia Rui Barbosa, a família é a célula mínima da sociedade: “desfaz-se a família, que a sociedade se desfaz também”.

Professora Malu MIlreu.

sexta-feira, 18 de abril de 2008

DIA 19 De ABRIL- DIA DO ÍNDIO.

DIA 19 DE ABRIL, DIA DO ÍNDIO.

O que exatamente esse dia pode nos dizer? Comemoração folclórica, quando se faz uma homenagem aos habitantes primitivos desta terra e se pintam o rosto dos nossos alunos, colocando-lhes penas na cabeça, ensinando-lhes que batam de leve a mão na boca e gritem: “u, u, u...” lembrando-lhes que no ano de 1500, por ocasião do descobrimento do nosso Brasil (afinal, esse país é nosso também), eles, os índios, viviam por aqui, livres e donos plenos deste chão? Ignorando, porém, o drama que esses nativos sentiram e sentem desde que Pedro Álvares Cabral aportou onde chamaram primeiro de Ilha de Vera Cruz e depois de Terra de Santa Cruz?

Hoje, a figura do índio do século XXI não é, sem sombra de dúvida, a mesma da época do Brasil colônia, quando nossos compositores, escritores e poetas, munidos do ardor nacionalista, uma das características fortes do período literário do Romantismo, na ânsia de se buscar um passado que gritasse mais alto que as imposições da cultura européia e em busca da liberdade política, encontraram no indianismo a forma de se dizer que tínhamos um passado, uma história.


Enquanto os europeus ilustravam em sua literatura um herói medieval, aqui no Brasil, nosso Gonçalves Dias, nosso José de Alencar e outros enalteciam o índio, descrevendo-o como bom, nobre, corajoso e belo, tornando-o símbolo da raça nacional: Peri, Iracema, e outros.

Esse tema de valorização do indígena, porém, se esgotou no final do século XIX, dando espaço às questões sociais, como, por exemplo, a escravidão negra, enriquecendo nossa literatura com poemas tão belos quanto os indianistas, tal qual O NAVIO NEGREIRO, de Castro Alves. O índio voltava ora ou outra a ser citado, no entanto, sem o ardor do início do século, sem heroísmo, ou já como um misto das três raças que formaram nosso povo: MACUNAIMA, o herói sem nenhum caráter, (branco, índio e negro), de forma realista, sem a nobreza que Gonçalves Dias atribuíra ao guerreiro Tamoio: “Não chores, meu filho; Não chores que a vida/ É luta renhida: Viver é lutar. /A vida é combate, que os fracos abate, / Que os fortes, os bravos, Só pode exaltar”.


E hoje? Depois que vimos em “O GUARANI” o índio Peri, herói belo, corajoso e encantador, após lermos a descrição de IRACEMA:
“Iracema a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.”
“O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado”, embora todos saibam que o exagero nas descrições era um estilo presente nos escritores da época, o índio tinha sua importância. E hoje, o que lemos e ouvimos sobre os índios?Muitas dificuldades.

Será que no início da colonização brasileira, os poetas e jornalistas da época poderiam imaginar que aos nativos estaria destinado um confinamento a terras demarcadas, chamadas de reservas? A palavra “reserva” já conota certa limitação. Será que eles ,os índios, podiam imaginar que deixariam de ser os bravos guerreiros desta terra, para serem dependentes da ajuda de um governo, ou seja, da nossa ajuda, porque o governo só é nosso representante (embora alguns políticos se julguem os detentores do saber e do poder). Será que eles poderiam prever que aquela missa celebrada por frei Henrique de Coimbra não lhes garantiriam nem a caridade de ter num futuro longínquo, descendentes sadios, quando o que vemos hoje, são suas crianças tão humanas quanto nós, morrer de fome, já que seus quintais denominados de “reservas indígenas”, não lhes destinam a possibilidade de sobrevivência digna? Ou será que por termos sido colonizados por europeus, herdamos um instinto de superioridade, julgando-nos donos de determinar quem são os seres incapazes ou capazes e quem precisa da nossa proteção? Ou índio é mesmo incapaz? Mas, incapaz de que?

Lembrarmo-nos do valente índio da Canção dos Tamoios, que foi amaldiçoado pelo velho pai, o qual julgava que seu filho tivesse fugido dos inimigos por covardia, mesmo sabendo que era para cuidar dele, pobre pai cego, talvez seja uma boa homenagem para 19 de Abril:
“TU CHORASTE EM PRESENÇA DA MORTE?
NA PRESENÇA DE ESTRANHOS CHORASTE?
NÃO DESCENDE O COBARDE DO FORTE:
POIS CHORASTE, MEU FILHO NÃO ÉS!”
O que diria esse velho índio aos descendentes de hoje?

Ou seria melhor voltarmos nossos pensamentos apenas aos índios atuais, que de forma equivocada acreditamos que preservar sua cultura seja mantê-los em suas aldeias?
E se de repente, eles também resolvessem criar o dia do Colonizador e fizessem em suas terras, festinhas como as que já fizemos em nossas escolas, onde os indiozinhos pusessem perucas longas, com aqueles cabelos despenteados (no princípio, na era da caverna, os homens não cortavam os cabelos), e lhes dessem armas de pedras e paus , pedissem que gritassem do tipo “uga... uga, uga”, um deles arrancando um pedaço de carne de bicho do outro, para comer com as mãos? Será o que estariam simbolizando? Seria uma forma de achar que para preservar nossa cultura deveríamos estar vivendo ainda nas cavernas? Ou seria hora de pensarmos que para eles lembrarem-se de sua cultura, podem desfrutar da modernidade, das tecnologias, da educação que julgamos ser caminhos apropriados para um lugar no mercado de trabalho... Ou o índio é um ser humano diferente, não só culturalmente e precisa viver na aldeia? Isso não é cidadania. Mas achamos em nossa arrogância, que aos índios cabe uma “reserva”. Coitados, porque estamos exterminando as matas, florestas e o quintal que lhes sobrará será tão pequeno, quase do tamanho de uma cela de prisão, porque numa reserva não existe horizonte. E nós, em nome da preservação cultural, insistimos em achar que devemos protegê-los, lá no mato. Afinal, evolução, só para nós. Caverna para nós, é pré-história, é primitivo. Reserva para índio é normal... Nós achamos que evoluir, ter conforto, progresso não importa a eles. Nós achamos. E a inclusão deles entre nós? Creio que devam preservar seus costumes, sim, e que decidam, eles mesmos, onde e como. Penso assim, desde que ouço falar em inclusão.

Ou nós devemos ficar quietinhos em nosso canto e quem está certa é Rita Lee:
"Se Deus quiser/ um dia quero ser índio/
viver pelado pintado de verde/ num eterno domingo/
ser um bicho preguiça/ espanta turista/
e tomar banho de sol/ banho de sol/ sol."

quarta-feira, 16 de abril de 2008

ORAÇÃO DA NOITE

Senhor,
se esta noite ao nos deitarmos, em nossos corações houver

a mágoa de uma ofensa recebida,
a dor de uma partida,
o tédio das horas de um dia de trabalho sem prazer,
a solidão dos nossos passos sem companhia e
da nossa ternura retida,

o peso da nossa consciência que não praticou o bem,
o vazio da nossa alma que não se elevou na contemplação da tua beleza e
da tua bondade,
o medo de fechar as pálpebras sem saber de uma nova aurora vai surgir,

Nós te pedimos, Senhor,

que ao despertar amanhã,
ainda experimentemos a alegria de viver através

do sorriso de um amigo,
da espectativa de um reencontro,
da luz do sol batendo na janela do meu quarrto,

do brilho do de uma criança pousando sobre meus olhos,
do propósito de amar nosso próximo,
do gesto de adoração que nos une a ti,
da confiança nos teus braços,
que nos sustentam na escuridão.

E se esta noite, Senhor, ao nos deitarmos tudo está bem,

felizes te bendizemos e

em tudo e por tudo,

obrigada nosso pai e senhor!

quarta-feira, 2 de abril de 2008

ERAM OS DEUSES DE AREIA?

ERAM OS DEUSES DE AREIA?

A figura zen de Dalai-Lama vê-se agora envolta em nuvens de dúvida: estaria ele instigando os monges a se revoltarem contra a China?
O Tibete, que se encontra submisso à China desde 1950, ainda não se rendeu ao invasor e, é claro, não se renderá nunca.
Dalai-Lama encontra-se exilado na Índia desde 1959 e já anunciou sua disposição de abdicar da condição de líder espiritual dos tibetanos, falou também que não pretende a independência do Tibete, e, sim lutar para que os chineses respeitem a cultura tibetana.
De acordo com reportagem de Paul Eckert, o ator Richard Gere vem sugerindo que todos boicotem os jogos olímpicos na China, caso o país não amenize a situação e prossiga com as tensões que estão sendo geradas no Himalaia. Richard Gere é pupilo de Dalai-Lama há 25 anos e em entrevista à Reuters disse: “Educados e sensíveis como os chineses são, a razão pela qual eles não entenderam a situação tibetana desde o começo, vai além da minha compreensão”.
Dalai-Lama diz que “nunca incentivou a violência, pois ela é contra a natureza humana.”
Foi assim, como um pacificador, que me acostumei a ver o líder espiritual dos tibetanos: sempre um pregador da paz e da humildade. De repente, os noticiários e reportagens nos mostram os monges manchados de sangue, todos em luta, tentando boicotar os jogos deste ano. Neste cenário de disputa sangrenta, com pedradas e iras, quando as notícias retratam Dalai-Lama afastado de seus alunos espirituais, frágil, vulnerável, pergunto-me: ERAM OS DEUSES DE AREIA?
Nós, simples mortais, sempre ouvimos nas aulas de religião que “tu és pó, e ao pó retornarás”, e para nós é intrigante saber que até aquele que os monges crêem ser a reencarnação de Buda, veio do mesmo barro que nos deu origem.
Os monges e outros tibetanos desmentem o primeiro ministro chinês, Wen Jiabao, com relação ao número de mortos na revolta em Lhasa. Porém, com os jogos se aproximando, como ficará essa pendência?
Quando os próprios monges se deixam fotografar com sangue na testa, provando que a luta se arrasta, mostrando ao mundo uma realidade oposta daquela que imaginamos ser a rotina dos monges, constatamos que a missão deles pode não estar na submissão e que, tanto quanto a nossa, têm limites, exigências.
Dalai-Lama, ainda no exílio, distante corporalmente da região do conflito, se limitou a dizer que apenas reivindica a manutenção da cultura do seu povo. Fica muito evidente a sua condição humana, de mortais como todos nós, assim como ficou evidente a de Cristo ao ser preso e levado à presença de Pilatos, julgado, condenado ao suplício da cruz, deixando alguns de seus discípulos incrédulos em relação à sua divindade, como ficou São Tomé. Pelo menos para mim, seria deprimente ver Dalai-Lama com a testa sangrando, como está a de outros monges, caso ele voltasse ao Tibete, para combater ao lado dos seus pupilos. Cristo ofereceu-nos a prova de sua Natureza Divina, ao ressuscitar, coisa que, sabemos, não acontecerá de novo com outro Pastor de almas, portanto, sua permanência na Índia, seu exílio, é o que há de mais prudente e até sábio para quem sabe que é de barro.
Quanto a Dalai-Lama, vê-lo como um líder zen, protegido em outro país, onde não será desfeito como uma nuvem de poeira, só pode nos confirmar, sim, que os atuais deuses podem ser de areia, como cada um de nós.